As chamadas biopics voltaram
a ganhar força nos últimos anos, tanto no Brasil como no cinema hollywoodiano –
Gal Costa, Sidney Magal, Mamonas Assassinas, Claudinho e Buchecha, Freddie
Mercury, Elton John e Bob Dylan foram alguns dos artistas a terem suas vidas
contadas nas telas recentemente. Muitos desses filmes têm apresentado recortes
de determinados períodos da trajetória dos retratados, mas Esmir Filho, também
roteirista de Homem com H, optou por cobrir um longo período da vida de Ney
Matogrosso, mas trazendo momentos determinantes, focados principalmente em sua sexualidade,
nas suas ousadias como artista e o impacto que teve na música brasileira.
A parte artística destaca o
curto mas arrebatador período de sucesso do grupo Secos & Molhados, que Ney
– vivido visceralmente por Jesuíta Barbosa – integrou ao lado dos músicos João Ricardo
e Gérson Conrad no início da década de1970, e que lançou dois discos com
clássicos marcantes como “Sangue Latino”, “Rosa de Hiroshima”, “O Vira” e “Flores
Astrais”. Na sequência, as diversas fases de artista solo e suas transformações
visuais – a maioria provocativas e
desenvolvendo toda a sensualidade que é sua marca registrada até os dias atuais
–, e também as musicais, passando por diversos gêneros, como a MPB, o bolero, o
pop, o rock e até o forró da música que dá título à produção.
Na parte pessoal, há o tumultuado
e até violento relacionamento com o pai (Rômulo Braga, de Carvão), militar que
desde cedo não aceitava sua sensibilidade e orientação sexual, além dos
principais envolvimentos amorosos da vida de Ney, com o cantor Cazuza (Jullio
Reis) e com o médico Marco de Maria (Bruno Montaleone), ambos vítimas fatais da
epidemia da aids nos anos 1980 e início dos ano 1990. A sexualidade do artista também
recebe muito destaque com diversas cenas mais quentes, mas sem nada explícito,
pois a produção buscou um público mais amplo (a classificação indicativa do
filme ficou em 16 anos).
O destaque maior de Homem com
H é mesmo a confirmação do grande talento de Jesuíta Barbosa, que com sua interpretação
impactante passa a ser o novo nome do primeiro time dos atores nacionais do
cinema – ao lado de Wagner Moura, Lázaro Ramos, Matheus Nachtergaele, João
Miguel e Irandhir Santos. Revelado no longa Tatuagem (2013), Jesuíta atinge
novo patamar vivendo Ney Matogrosso, praticamente mimetizando o artista em seus
trejeitos, olhares e sensualidade, mas também incluindo algo muito pessoal na
atuação – só não tinha como atingir a rara voz de contralto de Ney, o qual
canta verdadeiramente nas cenas que o ator dubla.
Esmir Filho também consegue
alcançar maior expressão com a produção, chegando ao grande público depois de
duas décadas de carreira. Revelado em festivais nacionais de cinema no início
da década de 2000, nos quais seus curtas-metragens receberam várias premiações, o diretor realizou na sequência bons
longas-metragens, mas que não atingiram grande audiência, como Os Famosos e os
Duendes da Morte (2009) e Alguma Coisa Assim (2017) – ambos de temática jovem,
como seus curtas –, além do estranho e enigmático Verlust (2020). Homem com H
comprova o amadurecimento do ainda jovem cineasta e roteirista – tem 42 anos – e
cria boas expectativas para a sequência de sua carreira. Cotação: Ótimo.
Trailer de Homem com H:
Crédito da foto: Paris Filmes