Manas destaca importante questão social – FILMES, por Rudney Flores

 


 O cinema brasileiro passa por um novo período de alta, com produções de grande qualidade que estão conseguindo novamente alcançar um amplo público, com o maior exemplo sendo Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, o primeiro filme brasileiro premiado com um Oscar. Seguindo este caminho, estreia nesta quinta-feira (14) Manas, primeiro longa-metragem de ficção da diretora recifense Marianna Brennand, que tem como produtores associados os consagrados irmãos Dardenne (diretores multipremiados no tradicional Festival de Cannes) e o próprio Salles. O filme recebeu o prêmio de melhor direção da Giornate degli Autori, mostra paralela do Festival de Veneza, em 2024.

A produção nacional de filmes teve um período da retomada a partir de 1995, com Carlota Joaquina, Princesa do Brazil, de Carla Camurati, com auge até o início dos anos 2010, destacando obras como Cidade de Deus, O Invasor, Lavoura Arcaica, Cinema, Aspirinas e Urubus, O Cheiro do Ralo, 2 Filhos de Francisco, entre muitas outras, trabalhos diversos entre si que atingiram sucesso de crítica e de público, e até de ambos ao mesmo tempo. Depois, houve um período um tanto focado em temáticas identitárias, que são muito importantes e, claro, devem ser tratadas nas telas, mas o cinema nacional precisava voltar a ser mais amplo para encontrar um público maior nas salas e lotá-las não apenas nas tradicionais comédias televisivas, e sim com obras de conteúdos mais universais e de maior alcance. A expectativa é que Manas encontre uma boa audiência, assim como os recentes O Auto da Compadecida 2, Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa, Vitória, o ainda em cartaz Homem com H e o fenômeno Ainda Estou Aqui.

Apesar do tema muito sério e pesado – sugerido pela cantora Fafá de Belém –, Brennand apresenta um trabalho muito delicado. A história é baseada em relatos reais de meninas e mulheres da Ilha de Marajó, no estado do Pará, e tem como personagem central a jovem Marcielle (Jamilli Correa), de 13 anos, que vive com os pais Danielle (Fátima Macedo) e Marcílio (Rômulo Braga, de Homem com H), e os irmãos em uma casa à beira de um rio. Tielle (seu apelido) sente falta da irmã mais velha, que foi embora com um homem que conheceu em uma das barcas que passa pela região, e que seria mais feliz do que a família. A vida simples da garota inclui ainda aulas no colégio e os cultos em uma pequena comunidade evangélica, sempre ao lados das amigas, as manas. Mas logo ela sofrerá com abusos sexuais em casa e nas citadas barcas, o que irá mudar completamente sua trajetória.

A violência sexual contra meninas e mulheres é demonstrada como algo enraizado na cultura machista local, como atestam algumas frases de personagens do filme e as atitudes do personagem Marcílio, principalmente. Marianna Brennand, que assina o roteiro com um time de mais cinco roteiristas, trabalha toda a questão com muita sensibilidade e em momento algum se firma em momentos mais apelativos, deixando muitas sensações e sentimentos nas entrelinhas – uma forma de trabalho que teve muito destaque no cinema brasileiro dos anos 2000. 

A diretora também apresenta uma produção de boa qualidade técnica, com uma fotografia que ressalta as belezas naturais locais. O elenco é o grande destaque, com um ótimo trabalho das jovens atrizes iniciantes e outros pouco conhecidos, liderados pelos veteranos e sempre competentes Rômulo Braga e Dira Paes (verdadeira operária do cinema nacional, com várias atuações), que vive uma personagem policial federal, baseada em uma ativista social e um delegado locais, pessoas reais que têm um trabalho muito importante no combate à violência contra mulheres na Ilha de Marajó.

A forma como a cineasta apresenta as questões levantadas torna Manas uma produção de muita relevância, pois leva à reflexão do espectador, principalmente por ser algo muito mais amplo, que ainda ocorre das mais variadas formas, seja nas demais regiões do Brasil, como no mundo todo, uma situação que deveria incomodar e ser muito mais debatida nos tempos atuais. Cotação: Ótimo.

 

Trailer de Manas:

 


 

 

Crédito da foto: Paris Filmes