A produção nacional de filmes
teve um período da retomada a partir de 1995, com Carlota Joaquina, Princesa do
Brazil, de Carla Camurati, com auge até o início dos anos 2010, destacando obras
como Cidade de Deus, O Invasor, Lavoura Arcaica, Cinema, Aspirinas e Urubus, O
Cheiro do Ralo, 2 Filhos de Francisco, entre muitas outras, trabalhos diversos
entre si que atingiram sucesso de crítica e de público, e até de ambos ao mesmo
tempo. Depois, houve um período um tanto focado em temáticas identitárias, que são
muito importantes e, claro, devem ser tratadas nas telas, mas o cinema nacional
precisava voltar a ser mais amplo para encontrar um público maior nas salas e
lotá-las não apenas nas tradicionais comédias televisivas, e sim com obras de conteúdos
mais universais e de maior alcance. A expectativa é que Manas encontre uma boa
audiência, assim como os recentes O Auto da Compadecida 2, Chico Bento e a
Goiabeira Maraviósa, Vitória, o ainda em cartaz Homem com H e o fenômeno Ainda Estou
Aqui.
Apesar do tema muito sério e pesado
– sugerido pela cantora Fafá de Belém –, Brennand apresenta um
trabalho muito delicado. A história é baseada em relatos reais de meninas e
mulheres da Ilha de Marajó, no estado do Pará, e tem como personagem central a
jovem Marcielle (Jamilli Correa), de 13 anos, que vive com os pais Danielle (Fátima
Macedo) e Marcílio (Rômulo Braga, de Homem com H), e os irmãos em uma casa à
beira de um rio. Tielle (seu apelido) sente falta da irmã mais velha, que foi
embora com um homem que conheceu em uma das barcas que passa pela região, e que
seria mais feliz do que a família. A vida simples da garota inclui ainda aulas no
colégio e os cultos em uma pequena comunidade evangélica, sempre ao lados das amigas, as manas. Mas logo ela sofrerá
com abusos sexuais em casa e nas citadas barcas, o que irá mudar completamente
sua trajetória.
A violência sexual contra meninas e mulheres é demonstrada como algo enraizado na cultura machista local, como atestam algumas frases de personagens do filme e as atitudes do personagem Marcílio, principalmente. Marianna Brennand, que assina o roteiro com um time de mais cinco roteiristas, trabalha toda a questão com muita sensibilidade e em momento algum se firma em momentos mais apelativos, deixando muitas sensações e sentimentos nas entrelinhas – uma forma de trabalho que teve muito destaque no cinema brasileiro dos anos 2000.
A diretora também apresenta uma produção de boa qualidade técnica, com uma fotografia que ressalta as belezas naturais locais. O elenco é o grande destaque, com um ótimo trabalho das jovens atrizes iniciantes e outros pouco conhecidos, liderados pelos veteranos e sempre competentes Rômulo Braga e Dira Paes (verdadeira operária do cinema nacional, com várias atuações), que vive uma personagem policial federal, baseada em uma ativista social e um delegado locais, pessoas reais que têm um trabalho muito importante no combate à violência contra mulheres na Ilha de Marajó.
A forma como a cineasta apresenta
as questões levantadas torna Manas uma produção de muita relevância, pois leva
à reflexão do espectador, principalmente por ser algo muito mais amplo, que
ainda ocorre das mais variadas formas, seja nas demais regiões do Brasil, como
no mundo todo, uma situação que deveria incomodar e ser muito mais debatida nos tempos atuais.
Cotação: Ótimo.
Trailer de Manas:
Crédito da foto: Paris Filmes