Liberdade e lirismo em O Último Azul – FILMES, por Rudney Flores

 


O cinema nacional está novamente com uma ótima safra de produções, como indica a recente lista publicada de inscritos para concorrer à indicação brasileira ao Oscar 2026, que será definida em setembro. Entre eles, está O Último Azul, terceiro longa-metragem de ficção do diretor pernambucano Gabriel Mascaro, que estreou esta semana nas salas do país – em Curitiba, está em cartaz no Cine Passeio, Cineplex Batel e Cineplus Jardim das Américas. A produção, estrelada por Denise Weinberg e Rodrigo Santoro, recebeu o Leão de Prata do Festival de Berlim deste ano, a segunda maior láurea do importante evento alemão de cinema.

Assim como em seu trabalho anterior, Divino Amor (2019), o cineasta ambienta sua história em um futuro distópico do Brasil, onde um governo autoritário destina todos os idosos do país para um local chamado Colônia quando chegam a uma determinada idade, tudo para que os mais novos possam produzir normalmente sem se preocupar em cuidar dos familiares mais velhos.

A idade determinada para o isolamento era de 80 anos, mas passa para 75 anos, o que atinge diretamente Tereza (Weinberg), senhora de 77 anos que trabalha em um frigorífico de carne de jacaré, localizado na região amazônica. Sem se preparar para um futuro que ainda parecia três anos distante, a protagonista só quer realizar o desejo de viajar de avião antes de ter que se apresentar e ir para a Colônia. Mas para isso, Tereza terá que se rebelar contra a filha e o governo, empenhado uma fuga no qual irá encontrar personagens que irão mudar sua vida, como o barqueiro Cadu (Santoro), o piloto de ultraleve Ludemir (Adalino) e vendedora de bíblias digitais Roberta (a cubana Miriam Socarrás).

Mascaro assina o roteiro ao lado de Tibério Azul e Murilo Hauser (corroteirista do vencedor do Oscar Ainda Estou Aqui) e destaca uma história que fala principalmente de liberdade, de se ter o direito de definir o próprio destino. O diretor faz também uma crítica ácida ao etarismo, depois de tratar no mesmo tom o coronelismo e o fundamentalismo religioso em suas obras anteriores – respectivamente em Boi Neon (2015) e no já citado Divino Amor.

O misticismo também faz parte da trama e aparece no caracol da baba azul, cujo líquido anil que solta é pingado nos olhos por alguns personagens para verem seu futuro e também encontrar suas verdades. Há ainda doses de humor no filme, que apresenta em certos momentos a inusitada captura dos idosos que não aceitam sua condição nos chamados Cata-Velho, uma espécie de carrocinha motorizada com jaula. Outro ponto importante da produção são as belas imagens da Amazônia na fotografia de Guillermo Garza.

Mas o destaque maior fica mesmo para as atuações. Denise Weinberg brilha no arco de sua personagem, que vai da dureza de uma vida dedicada à filha e ao trabalho até a descoberta de novos e libertadores caminhos, uma atuação ao mesmo tempo forte, tocante e inspiradora, assim como a da surpreendente Miriam Socarrás e sua leve e divertida Roberta. Para completar, Rodrigo Santoro comprova sua maturidade como ator em uma composição com grande sensibilidade de Cadu. Mascaro apresenta seu melhor trabalho em uma obra mágica e utópica, cheia de lirismo e que emociona e cativa o espectador. Cotação: Ótimo.

 

Trailer de O Último Azul:

 


 

 

Crédito da foto: Guilhermo Garza/Divulvação Desvia