Grande surpresa das telas em
2019/2020, o primeiro Coringa tornou-se um fenômeno pop mundial, arrecadando um
pouco mais de US$ 1 bilhão de renda, sendo até então a maior bilheteria da
história para uma produção para maiores de idade (recorde quebrado este ano por
Deadpool & Wolverine), confirmando, ainda que por outras vias, pois é uma criação
praticamente original, a força do cinema baseado nos quadrinhos.
Artisticamente, o filme de Phillips
– cujo maior sucesso era a trilogia Se Beber não Case e que assinou o roteiro
ao lado de Scott Silver – conquistou o Leão de Ouro no Festival de Veneza 2019 e
recebeu dois Oscars na cerimônia de 2020: melhor ator para Phoenix e melhor
trilha sonora original, além de outras oito indicações, incluindo melhor filme,
direção e roteiro adaptado.
O diretor prometeu que não
haveria continuação, mas a pressão da Warner falou mais alto, ainda mais depois
do feito bilionário do original. Mas parece que a vontade de Phillips, no fim,
prevaleceu, pois ele entrega um filme que a todo momento quebra as grandes
expectativas do espectador, o que torna Delírio a Dois praticamente uma autossabotagem.
Apesar de evocar em vários momentos
o primeiro trabalho, a nova produção nunca decola. Na história, que acontece
dois anos após os acontecimentos de Coringa, vemos Fleck aguardando o
julgamento pelos assassinatos que cometeu, incluindo a midiática morte do
apresentador Murray Franklin (Robert De Niro) em seu próprio programa de
entrevista na TV, que causou verdadeiro caos na Gotham City do início dos anos 1980,
na qual a trama foi ambientada – uma representação sombria da Nova York do
período, mas que também tinha paralelos com os EUA da era Donald Trump na presidência,
época em que filme foi lançado.
Há ecos de temas levantados
anteriormente, como o culto à celebridade e poder da mídia, mas o foco fica
sendo mesmo o julgamento e também o romance entre Fleck e Lee Quinzel (Gaga),
que remete à vilã Arlequina, já vivida no cinema por Margot Robbie em dois
filmes Esquadrão Suicida e também em Aves de Rapina. E na
interação da dupla que surgem as sequências musicais da produção, baseadas em
canções românticas antigas – como "For Once in My Life", sucesso na
voz de um jovem Stevie Wonder, e “(They Long To Be) Close To You”, o grande
sucesso da dupla de irmãos Carpenters – algumas delas cantadas em dueto.
Mas as sequências, sem muita
inspiração, decepcionam (propositalmente?), apesar da grande voz da cantora
norte-americana – muitos espectadores que não gostam do gênero musical se
sentirão ainda menos atraídos, mas há filmes deste século mesmo, como Moulin
Rouge e Chicago, que mostram que com criatividade, e interesse, é claro, é
possível realizar ótimos musicais nos tempos atuais. Lee, inclusive,
é uma personagem mal aproveitada, sua origem é contada en passant, tornando-se uma
mera coadjuvante de luxo de cantoria (uma pena, pois a artista já comprovou ter
ótima performance dramática em outros trabalhos), ao contrário daquela mais
complexa dos quadrinhos, desenhos da TV e mesmo os filmes.
O julgamento toma boa parte
do extenso filme (2h19) e se arrasta em uma tediosa discussão se o Coringa é
uma personalidade do mal de Fleck ou não. Há uma pequena relação com as HQs no
promotor do caso, Harvey Dent (Harry Lawtey), que nas histórias do Batman se
transforma no vilão Duas Caras, mas é mais um personagem periférico, assim como
a advogada Maryanne Stewart (Catherine Keener) e o violento policial Jackie
Sullivan (Brendan Gleeson), do Arkham, tradicional prisão/asilo dos quadrinhos,
que poderiam ter sido fonte para Phillips, que novamente assina o roteiro ao
lado de Silver, mas essa nunca foi a intenção, desde o filme inicial.
Quem se destaca mesmo é
novamente Joaquim Phoenix, que vive o alquebrado protagonista, muito longe do personagem
forte e anárquico que o primeiro longa parecia sugerir em seu final. Seu
trabalho interpretativo e corporal ainda continua visceral, mesmo nos momentos
musicais, em que também se sai muito bem, uma entrega total como esperado.
É interessante ver um diretor
quebrar as expectativas do público, mas surpreendendo-o, ao contrário do que
faz Phillips, que parece só querer mesmo é causar tédio. Ele parece não ter
gostado do grande sucesso do Coringa original, que fugiu ao controle e se sobrepôs
a questões que talvez gostaria que fossem mais debatidas. Cada diretor faz o
filme que quer, mas se não quer realmente abraçar um projeto, não o faça. Cotação: Regular.
Trailer de Coringa – Delírio
a Dois:
Crédito da foto: Warner Bros. Pictures Brasil
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