Depois de mais de duas décadas, o cinema brasileiro volta a ter chances reais de retornar à premiação do Oscar com uma produção de longa-metragem de ficção – a última vez foi em 2004, com Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, que recebeu quatro indicações em categorias principais: melhor diretor, roteiro, fotografia e edição. Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, que estreia nesta quinta-feira (7) nas salas do país, foi o filme indicado pelo Brasil para tentar uma vaga entre os selecionados na categoria melhor filme internacional da edição 2025 da maior premiação da indústria cinematográfica.
A produção tem sido muito bem
recebida nos festivais internacionais dos quais tem participado – em sua
estreia no Festival de Veneza, levou a Osella de Ouro de melhor roteiro, para
Murilo Hauser e Heitor Lorega. Fernanda Torres, que interpreta a protagonista Eunice
Paiva, está nas principais listas para uma possível indicação ao Oscar de
melhor atriz.
E toda essa expectativa são justificadas.
Salles foi o último a conseguir uma indicação para o Brasil na então categoria
de filme estrangeiro, em 1999, com
Central do Brasil – que também rendeu uma indicação de melhor atriz para
Fernanda Montenegro. Muito respeitado internacionalmente, comandando produções
como Diários de Motocicleta (2004) e Na Estrada (2012), o cineasta volta a
filmar um longa de ficção no Brasil depois de 16 anos, após Linha de Passe (2008).
Para esse retorno, ele decidiu
adaptar para as telas o livro Ainda Estou Aqui, no qual o escritor Marcelo Rubens
Paiva contar a história de sua família, de como seu pai, o ex-deputado Rubens
Paiva foi levado, em 1971, por militares
para nunca mais retornar para a casa, e da luta de sua mãe, Eunice Paiva, para
ver reconhecido pela justiça brasileira que seu marido foi assassinado pela
ditadura brasileira.
Paiva teve o mandato cassado
após o golpe pelo golpe militar de 1964.
Depois de um tempo no exílio, ele retorna ao país e acaba indo morar com a
esposa e os cinco filhos no bairro do Leblon, na cidade Rio de Janeiro,
retomando também sua carreira de formação, como engenheiro civil. O período
feliz dos Paiva na casa carioca, com muitos encontros e festas com amigos, é
retratado na parte inicial do filme, que destaca o ator Selton Mello como o patriarca
da família.
Salles, carioca que era um
adolescente na época dos acontecimentos da história, retrata com muito conhecimento
o Rio de Janeiro desse período, mostrando as brincadeiras das crianças nas ruas
e nas praias no bairro da zona sul. O clima, aparentemente tranquilo, é sempre
recortado pela presença constante dos militares, seja no helicóptero
sobrevoando a praia em que Eunice nada, ou com os carros e caminhões cheios de
soldados nas ruas, as ameaças nas avenidas e túneis da cidade – Vera (Valentina
Herszage), a primogênita dos Paiva, conhece de perto a violência militar em uma
batida, junto com os amigos. Em casa, Rubens sempre recebe telefonemas que acabam
despertando a atenção de Eunice. A situação aos poucos vai pesando e vira
praticamente um tenso filme de terror com as prisões de Rubens, Eunice e da
filha Eliana. A protagonista passou 12 dias encarcerada no temido e repressor DOI-Codi
(Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa
Interna), sofrendo muita violência psicológica.
Mesmo ao retratar um período tenebroso
na história do país, o cineasta segue seu estilo sóbrio na direção. Como em
toda a sua produção, seu foco é o humano, aqui representado por Eunice, que
precisa seguir em frente mesmo após a tragédia que afeta a família. Ao mesmo
tempo que em luta para que os militares reconheçam que prenderam e sumiram com
Rubens, há a necessidade de continuar criando os cinco filhos. E é nesse
momento em que Fernanda Torres brilha em uma atuação contida, calcada
principalmente nos momentos de silêncio e reflexão, e que emociona o espectador.
A memória, outro elemento essencial na cinematografia de Salles, aparece nas
fotos fartamente tiradas pela família e nos filmes em super-8 realizado por Vera,
que também ajudam a contar a história dos Paiva e do período retratado.
Eunice voltaria aos estudos e
se formaria em Direito, tornando-se defensora de causas sociais, como a dos
indígenas. Ela conseguiria o atestado de óbito de Rubens Paiva só em 1996, mas
o relato total de tudo o que aconteceu naquele verão de 1971 só viria mesmo em
2014, através da Comissão Nacional da Verdade. Paiva foi assassinado pela
repressão logo nos primeiros dias de prisão, e foi enterrado em vários locais
até ter seus restos mortais jogados ao mar, tudo para esconder sua morte da
família e da mídia da época.
Para fechar com emoção Ainda
Estou Aqui, há uma participação para lá de especial de Fernanda Montenegro como
Eunice, já no final da vida. Ela morreu em 2016, aos 86 anos, após anos com o
mal de Alzheimer. Cotação: Ótimo.
Trailer de Ainda Estou Aqui:
Crédito da foto: Divulgação Sony
Pictures do Brasil

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